quinta-feira, novembro 21

O Congresso separou no orçamento federal do ano que vem 53 bilhões de reais para obras escolhidas por deputados e senadores. A quantia das chamadas emendas parlamentares é parecida com aquela que o governo terá para investir. O gigantismo delas nos últimos anos e a obrigação do governo de pagá-las criaram uma espécie de “parlamentarismo disfarçado”.

Até mesmo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), admite: as emendas tornaram-se um problema e precisam mudar.

“A realidade nos últimos anos de fato mudou muito”, diz Pacheco. “Há uma necessidade de reflexão profunda [sobre a situação]”. Para ele, vai “parecer retrocesso”, mas “alguém vai ter de ceder”. Ceder, no caso, caberia aos congressistas, acostumados desde 2015 a capturar nacos cada vez maiores do orçamento nacional, graças ao caráter ‘impositivo’ das emendas parlamentares.

O senador acredita ser preciso rever tanto o valor das emendas quanto o destino delas. Embora creia que um congressista tenha um entendimento melhor das necessidades nacionais do que os ministros de Estado, Pacheco reconhece que os parlamentares quase sempre direcionam as emendas para suas bases eleitorais, ignorando as prioridades do governo. Alinhar as emendas aos planos governamentais será um ‘desafio’ a encarar, afirma.

Durante um café da manhã com jornalistas, nesta sexta, 22, Pacheco mostrou disposição em conversar sobre a situação, já em 2024, com o comandante da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Lira é, hoje, o rosto mais visível do “parlamentarismo disfarçado”. Mas há também um rosto “invisível”, o de Davi Alcolumbre (UB-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Alcolumbre antecedeu Pacheco à frente do Senado, ajudou a fazê-lo seu sucessor e quer voltar ao cargo em 2025. Uma trajetória para a qual o “orçamento secreto” foi, e é, fundamental.

O “orçamento secreto” é um dos motivos da explosão de dinheiro para emendas. Em 2019, com Alcolumbre no comando do Senado, eram 8.912 emendas, um total de 17,3 bilhões de reais, conforme dados do “Siga Brasil”, sistema online mantido pelo Senado. Em 2020, ano da estreia do orçamento secreto, havia 14.103 emendas e, em valores, mais do que o dobro, 36,1 bilhões.

Ao defender um debate sobre as emendas, Pacheco colabora com o governo. Mas sua agenda para o ano que vem inclui tópicos que provavelmente continuarão a fazer a alegria da oposição e da extrema-direita. Por exemplo: tentar mudar a Constituição para criminalizar a posse de qualquer quantidade de drogas. “É uma prioridade”, afirma o senador, destacando que a proposta será discutida no começo de 2024 na Comissão de Constituição e Justiça, presidida por Alcolumbre. Vale ressaltar que Alcolumbre já demonstra alinhamento com a extrema-direita, visando a eleição para suceder Pacheco em 2025.

A criminalização foi proposta pelo próprio Pacheco, no embalo de um julgamento em andamento no Supremo Tribunal Federal que procura fazer o oposto: proibir a prisão de quem porte quantidade pequena de maconha.

Na visão de Pacheco, o STF estará “liberando o pequeno tráfico”, caso o julgamento termine de fato por descriminalizar a posse, cuja quantidade seria decidida pelos juízes da corte. O que deveria contar para a prisão, defende, são “as circunstâncias” da apreensão da droga. Que é como é hoje, uma situação em que a cor da pele parece ser o critério da polícia.

Também é intenção de Pacheco prosseguir com votações sobre o funcionamento do Supremo. Ele defende aumentar a idade mínima para alguém ser nomeado para a corte (para 45 ou 50 anos), a instituição de um tempo de mandato para os futuros juízes e a adoção de regras que limitem a quantidade de ações que políticos e partidos movem no STF.

Pacheco diz que a “agenda STF” não é para agradar a oposição, e sim fruto de convicções pessoais. “A oposição quer impeachment de ministro do Supremo”, afirma, “sem abrir um processo de impeachment eu continuarei a ser um anti-herói”. O Senado tem o poder, e exclusivo, de destituir os membros do tribunal.

Também está nos planos do presidente do Senado debater o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos. Uma modificação que valeria para depois da campanha de 2026, da presumível tentativa de reeleição pelo presidente Lula, mas que Pacheco supõe que enfrentará resistências por parte do governo.

Mas Pacheco também faz gestos na direção do governismo. Depois de, segundo ele, muita insistência de Lula, concordou em participar em 8 de janeiro de 2024 de um ato para lembrar o quebra-quebra em Brasília em 2023 e em defesa da democracia. Pacheco planejava estar com o irmão nos Estados Unidos, mas desistiu. “Fui devidamente intimado pelo presidente.”

O ato será realizado no Congresso. Todos os deputados e senadores e os ministros do governo serão convidados. O convite será assinado conjuntamente por Lula, Pacheco, Lira e o presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso.

A propósito: um senador, Márcio Bittar (MDB-AC), propôs nos últimos dias anistiar todos os envolvidos com o 8 de Janeiro (as pessoas já condenadas pelo Supremo e as que ainda vierem a ser sentenciadas). Anistia também para quem tiver ficado inelegível em decorrência de qualquer fato ligado à eleição do ano passado. Tradução: perdão para Jair Bolsonaro, condenado em junho pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a ficar 8 anos sem concorrer, por causa de uma reunião com embaixadores estrangeiros às vésperas da campanha de 2022.

Bittar foi o primeiro senador a cuidar do “orçamento secreto”. Foi em 2020, na votação da lei orçamentária do ano seguinte. Ele havia sido colocado na função por Alcolumbre, então chefe do Senado. Com a anistia, Bittar dá mais um empurrão na aliança buscada por Alcolumbre com a extrema-direita na futura campanha para suceder Pacheco.

O atual presidente do Senado pretende também, em 2024, levar adiante a discussão de uma lei sobre inteligência artificial. O motivo? A eleição municipal do ano que vem. Para Pacheco, “é assustador o potencial lesivo” da inteligência artificial numa campanha. A preocupação, neste caso, é conter uma mentira travestida de verdade via recursos tecnológicos, como vídeos do tipo “deep fake”.

A Câmara dos Deputados também deve debater o tema no ano que vem. E fazer uma nova tentativa de aprovar a lei de combate às fake news.

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