As decisões do ministro Alexandre de Moraes que autorizaram operações da Polícia Federal contra dois deputados bolsonaristas nos últimos dias reforçaram o ímpeto de expoentes da extrema-direita de apostar em pautas no Congresso Nacional para fustigar o Supremo Tribunal Federal.
Nas últimas horas, o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) passou a coletar assinaturas a fim de protocolar uma proposta de emenda à Constituição que tornaria obrigatório o aval da Mesa Diretora da Câmara ou do Senado para medidas judicais e diligências como busca e apreensão contra parlamentares.
Conforme o texto, a cúpula da Casa teria 10 dias para se pronunciar. Além disso, a redação estabelece que a resposta só ocorreria durante o ano legislativo – ou seja, as operações deflagradas nos últimos dias, com o Parlamento em recesso, não seriam autorizadas.
O argumento central de Valadares repete uma das principais alegações da extrema-direita: de que há um suposto “abuso” praticado pelo Judiciário contra deputados e senadores.
Até a tarde desta sexta-feira 26, o deputado sergipano havia reunido 55 das 171 assinaturas necessárias para apresentar a PEC.
Também nesta sexta, o presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirmou que o Supremo “estica a corda” e que, devido a isso, tende a avançar a tramitação de propostas para limitar poderes da Corte. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o líder da bancada ruralista ainda disse esperar alguma “reação” do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ou do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Na semana passada, Alexandre de Moraes autorizou a Polícia Federal a cumprir um mandado de busca e apreensão contra o deputado bolsonarista Carlos Jordy (PL-RJ), líder da Oposição na Câmara. Aquela etapa da Operação Lesa-Pátria buscava identificar mentores intelectuais e responsáveis por planejar, financiar e incitar os atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023.
Já nesta quinta 25, o alvo de uma operação avalizada pelo ministro foi o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). O objetivo da PF era investigar uma suposta organização criminosa instalada na Agência Brasileira de Inteligência, órgão chefiado por Ramagem entre 2019 2022, que teria espionado desafetos do governo de Jair Bolsonaro (PL) por meio de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis, sem autorização judicial.
Essas operações reacenderam a disposição de bolsonaristas de patrocinar pautas contra o Supremo, a exemplo do que ocorreu no fim de 2023.
Em novembro, o Senado aprovou uma PEC que proíbe ministros do STF de conceder decisão individual que suspenda a eficácia de uma lei. Um dia depois, o presidente do Tribunal, Luís Roberto Barroso, afirmou que “não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”. Para vigorar, a proposta ainda tem de ser aprovada pela Câmara, mas a pauta não é prioritária para Lira.
Rodrigo Pacheco, por sua vez, já avisou que pautará neste ano a proposta que institui mandatos fixos para ministros do Supremo. Atualmente, os magistrados da Corte só se aposentam compulsoriamente ao completarem 75 anos.
Há duas propostas sobre o tema no Senado. A PEC 16/2019, por exemplo, fixa os mandatos em oito anos. O argumento é evitar “prazos muito distintos de permanência” e “a possibilidade de ocorrer, em curtos intervalos de tempo, mudanças significativas na sua composição, o que pode gerar subida modificação de entendimentos (…) já consolidados e consequente insegurança jurídica”. Encabeça a proposta o senador Plínio Valério (PSDB-AM).
Já a PEC 51/2023 defende mandatos de 15 anos e a exigência de idade mínima de 50 anos para ministros do Supremo, liderada pelo senador Flávio Arns (PSB-PR). Ele alega que a “lentidão” na renovação da Corte “dificulta bastante que os posicionamentos sobre as grandes teses jurídicas feitos pela cúpula do Judiciário acompanhem adequadamente as mudanças nos princípios e valores que regem a vida em sociedade”.
Sem chances reais de prosperar, há uma PEC apresentada pelo deputado Domingos Sávio (PL-MG) em setembro de 2023 que concede poderes ao Congresso para suspender decisões do STF que “extrapolem os limites constitucionais”.
Segundo o texto, o Parlamento poderia “deliberar, por três quintos dos membros de cada Casa legislativa, em dois turnos, sobre projeto de decreto legislativo do Congresso Nacional, apresentado por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado, que proponha sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais”.
Para ser promulgada, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos por no mínimo 308 deputados e por 49 senadores.
Por fim, além de propostas que atingem diretamente o funcionamento do Supremo, o Congresso aposta em matérias cujo mérito já está sob análise da Corte.
No ano passado, os parlamentares aprovaram o projeto de lei do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas no mesmo dia em que o Supremo concluiu o julgamento no qual declarou inconstitucional essa tese ruralista. O presidente Lula (PT) vetou o marco, mas o Congresso derrubou o veto e o tema deve voltar a ser analisado pelo próprio STF.
Outro exemplo é a PEC apresentada por Rodrigo Pacheco para tornar crime a posse e o porte de qualquer droga, independentemente da quantidade. Simultaneamente, o Supremo está a um voto de descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal, em julgamento que tende a ser retomado neste ano.
Também tramita no Senado uma tentativa de bolsonaristas de aprovar a convocação de um plebiscito sobre o aborto. Enquanto isso, o STF já iniciou a análise de uma ação que pode descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação. Cabe a Barroso marcar uma data para continuar o julgamento.